Considerando que à partida a sua formação em engenharia química e uma carreira ligada aos metais não o levariam à gastronomia, 185 como é que aconteceu este percurso que inclui ser cozinheiro amador, gastrónomo, apresentador de televisão e produtor de vinhos ? Tão naturalmente como alguns dos meus amigos da escola primária que revelavam talento para o desenho, para a música ou para o desporto. Nasci com este prazer de cozinhar, esta apetência e esta atracção pela cozinha, a família reconhece-me o talento para elaborar pratos de alguma exigência, como umas iscas com o molho preparado com o baço do porco, executados com sucesso com apenas 7 anos. A partir daí, foi sempre um desejo e um desafio desenvolver, em todas as vertentes da culinária (história, receituário, estudo do gosto, filosofia do gosto e o mais relacionado), o maior conhecimento e, ao mesmo tempo, o maior número de experiências, minhas (culinária) e de outrem (gastronomia). No seu programa O Sentido do Gosto falava sobre as histórias da comida. As histórias são uma boa maneira de conhecer a cozinha de um país ou de uma região? Tenho a noção que praticamente tudo se pode resumir a contar uma história. Pelo menos em termos de comunicação. Seja falar de comida ou de outro assunto qualquer. Quando se fala de gastronomia, que na generalidade interessa a todos, são as “histórias” que prendem as pessoas ao ecrã - e penso ter vindo daí uma das causas do sucesso de O Sentido do Gosto (a par do profissionalismo da equipa de produção), que lhe granjeou audiências extraordinárias em horário nobre. A nossa ideia foi escolher um produto por programa e à volta dele contar a sua história, a das suas regiões e a da sua própria culinária. No final, havia um pequeno espaço dedicado à culinária desse produto, através da apresentação desde as receitas mais simples até às formas mais sofisticadas de o cozinhar. A região em destaque é o Centro. Podemos identificar alguns traços gastronómicos comuns a esta região administrativa? Destaca alguns pratos? A região Centro foi sempre para mim uma região abençoada em termos culinários. Das montanhas e do frio, sentem-se os cheiros dos fumeiros, avistam-se cabritos a brincar, rebanhos de ovelhas a recolher e sonha-se com queijos sem igual. Nas leiras meticulosamente cultivadas, crescem legumes de sabor evanescente e, no sopé da serra, cerejeiras e outras árvores de fruto proporcionam colheitas de primor. Nas planícies, espraiam-se rios nos quais se encontra peixe e crescem os melhores arrozais da nossa terra. Junto ao mar, pescadores audazes trazem-nos o melhor e mais fresco peixe do mundo! E, com esta plêiade de alimentos de excepção, desenvolveu-se uma culinária rica, personalizada e prazenteira. Enumerá-los? Nem sei por onde hei-de começar. Pelos queijos com o farol do queijo da serra da Estrela? Ou as enguias da Murtosa? Em criança acompanhava os meus pais, que iam à feira de Viseu comprar uma barrica de enguias que deliciava a todos uma vez por ano - curiosamente, é ainda um dos pratos que, embora com a beleza da barrica de madeira substituída pela lata de conserva, mantém o mesmo registo de (bom) gosto. A chanfana é talvez o prato que mais me entusiasmou desde sempre cozinhar. E, por falar em barrica, que tal os ovos-moles, arquétipo de toda um doçaria regional de candura maior? E a chanfana, esse monumento gastronómico que eu próprio tive o privilégio de ir aprender a fazer in loco , em Barril d’Alva, com apenas 12 anos? Mas poder-se-ia também encabeçar esta lista com o leitão da Bairrada, desvio obrigatório quando viajo entre Lisboa e Porto, ou os maranhos, essa preciosidade que se queria disponível urbi et orbi como uma verdadeira delicacy nacional. Tenho de terminar, como se faz nos agradecimentos, afirmando que “naturalmente muitos aqui se havia de incluir e não foram citados”. Algum que goste de cozinhar? A chanfana é talvez o prato que mais me entusiasmou desde sempre cozinhar. Aprendi-o em Barril d’Alva, com a Sra. D. Lusitana, uma cozinheira de truz. Estudei-o e experimentei-o muitas vezes ao longo da vida, tentei perceber semelhanças e diferenças com outros pratos cozinhados com vinho (como p.ex. a nossa alcatra dos Açores, o matelote , o boeuf bourguignon ou o coq au vin franceses, manzo al vino rosso ) o que me levou a adaptar a receita “original” à realidade actual, sem perder qualquer elemento do gosto. Pratico-a assiduamente com muito prazer e apresentei esta minha versão moderna da chanfana à Real Confraria da Cabra Velha, de que tenho a honra de ser membro honorário, o que muito me orgulha. Amor ao vinho Nos anos 1980, José Bento dos Santos comprou a Quinta Monte d’Oiro em Alenquer e em 1997 lançou o seu primeiro vinho. Desde então, os vinhos aqui produzidos têm ganho apreciadores além fronteiras e ao negócio de família juntou-se entretanto o filho, Francisco Bento dos Santos, que dá continuidade ao trabalho de excelência do pai.
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